terça-feira, 30 de novembro de 2010

O pós-conceito de um Era


Menino de Engenho (1932), de Jose Lins do Rego conta de forma doce, nem por isso menos real, a história da criacao da sua personagem principal, Carlos Melo, no engenho de seu avo, Senhor de Engenho, o coronel José Paulino - trama um tanto quanto auto biográfica. A obra retrata a realidade nordestina no comeco do seculo XX, numa época em que há mais de vinte ano, a nacao abolira a escravatura.
Apesar da recente abolicao, o negro jamais recebera alguma assistencia a integra-lo na sociedade, e esta situacao fica bastante evidente no desenrolar das intrigas narradas pela personagem principal. Muito se discute sobre o retrato da figura negra na literatura, como o presente nas obras de Mone Lobato; bastante comum é a discussao acerca da ambiguidade em sua retratacao ao negro, e desta mesma forma, pode-se analisar a obra de Lins do Rego.
Na narrativa, encontram-se diferentes formas de tratamento ao negro. Uma das mais cruéis, talvez seja a da Tia Sinhazinha, que, segundo o menino narrador, mantinha uma escreva sempre aos pés de sua cama, com a única finalidade de servir de saco de pancadas, caso a velha interessasse dar uns safanoes em alguém. O menino de fato acha aquilo cruel, mas talvez da mesma forma que acharia caso Sinhazinha maltratasse um cachorro ou os passarinhos que tanto gostava - é prováve até que sofresse mais se os vitimados fossem os pássaros.
É inegável, por outro lado, devida a ausencia de uma política de assistencia ao negro, que as senzalas ainda se faziam reais naquela época, a ainda assim seriam, por um bom tempo, e o tratamento a eles era variável, de senhor de engenho para senhor de engenho, de coronel para coronel, de família para família, de branco para branco. Seu José Paulino era, a seu modo, bastante avancado no que se diz respeito ao respeito aos negros. Homem de poucas palavras, tentava ser bastante justiceiro e de correta conduta. Na casa grande, havia sim um diferenca entre brancos e negros, porém há uma passagem interessande, já em meados da obra, em que temos uma clara evidencia da ambiguidade ao tratamento dos ex-excravos,

... O meu avo continuava a dar-lhes de comer e de vestir. E elas [as escravas mais proximas] a trabalharem de graca, com a mesma alegria da escravidao. As duas filhas e netas iam-lhes sucedendo a servidao, com o mesmo amor a casa grande e a mesma passividade de bons animais domésticos...

ora, nesse trecho temos uma boa imagem do governo do Senhor de Engenho, ao passo que, a comparacao dos escravos com animais foge bastante do politicamente correto e ainda, é difícil nao questinar a alegria na escravidao. Há alguma alegria na escravidao?
Sem mesmo seguir muito em frente na história, Carlinhos conta das brincadeiras com os muleques da senzala. No seu universo infantil e sem preconceitos ou preocupacoes, ele conta que os meninos da casa grande, iam atrás dos da senzala, pois estes é que sabiam nadar, correr e brincar. Ah sim, talvez desta felicidade ele tratasse, pois isso ou a presenca das negras de dentro da casa, ou a crueldade de Sinhazinha eram suas maiores referencias.
O protagonista também se encanta pela velha africana Tia Galdina, com suas fantásticas histórias do seu continente de origem e do respeito que tinha, esta era chamada de Vovó por todos. Todavia, em um engenho próximo, tal retrato seria impossível. Um tal de Ursulino, por exemplo, todas as manhas dava uma chibatada em seus escravos para que eles esquentassem o corpo. E vale ressaltar que ninguém lá parecia se chocar muito com esse fato.
Todavia, nao era uma questao de pré-conceito, ao que a obra prossegue e o garoto acaba por trazer algumas justificativas para tal conclusao:

... Nunca, menino, tive pena deles. Achava muito natural que vivessem dormindo em chiqueiros, comendo um nada, trabalhando como burros de carga. A minha compreensao da vida fazia-me ver nisto uma obra de Deus. Eles nasceram assim porque Deus quisera, e porque Deus quisera, nós éramos brancos e mandavamos neles. Mandávamos também nos bois, nos burros, nos matos.

O que até entao poderia aflorar como uma teoria, o próprio protagonista apresenta como verdade: a situacao, ou a forma de como a situacao era aborada era apenas uma resposta a uma outra época. O resuldado do que lhe fora dito ou ensinado. Nao simplesmente uma questao de postura pre-convceituosa ou nao. É o mesmo caso de um outro caso isolado na trama. O de um menino com retardo mental cuja mae, nao desejava nada mais do que a morte do garoto. Ele nao era negro, mas mesmo assim, sofria o pós-conceito cruel de uma época, que muito lentamente tem sido quebrado. Muito lentamente, até hoje. Lins do Rego nao inscitou nada, mas representou a verdade de um tempo.


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por rafael swiech

sexta-feira, 19 de novembro de 2010

O Herói de Basílio

Há algum herói nesta obra?


Antes de encontrar um herói em O Uraguai, de Basílio da Gama, encontra-se a vítima. Mais do que tudo, a posição do índio é a de vítima, o que, não implica em ausentá-lo também da chance de ser o herói da tendenciosa epopéia brasileira.
No primeiro canto, Catâneo, o comandante, descreve os motivos históricos da guerra a ser travada e, posteriormente vencida. Narrando, inclusive fatos passados não bem sucedidos devido ao clima, formação do solo e enchentes do rio Uraguai, deixa claro a má influência dos jesuítas, que nunca declamaram contra o cativeiro destes miseráveis racionais [os índios], senão porque pretendiam ser só eles os seus senhores, segundo a notas explicativas do próprio autor, já os colocando como vilões da história e contra a Coroa.
O desfile das tropas, ainda nesse canto, também enaltece o europeu, que veio em missão real, trazer a ordem ao que fora independentemente dominado pelos jesuítas que não obedeciam ordens e tratados reais.
O índio, por outro lado, lutou valentemente contra os portugueses a fim de sua causa, que nada mais era do que o propósito jesuíta, já que estes os influenciaram a tal ato, os eximindo, de certa forma, da culpa de estarem contra as tropas européias.
Dada as circunstâncias, em certo ponto da narrativa, o índio Cacambo incendeia o acampamento europeu, mas mesmo tendo-o feito, o poderoso jesuíta Balda o aprisiona e o mata, para deixar sua bela índia Lindóia noiva de seu filho Baldeta. Lindóia deixa-se então morrer picada por uma cobra para impedir a concretização do plano de Balda. Heroísmo não é o que falta ao índio neste momento.
Todavia, com o vilão, a Companhia de Jesus, tendo perdido a batalha, uma vez que os pobres índios não puderam contra o armamento europeu, o europeu é dado como herói a fazer valer a verdade real na colônia e também justiçando o índio, que agora passa a reverenciar a Coroa.

Assim, pode-se interpretar o índio como herói, ou pode-se interpretar o europeu pelo herói, ou ainda, pode-se também defender que o poema deixa de ser a celebração de um herói para tomar-se o estudo de uma situação: o drama do choque de culturas e influências sobre o índio!, mas talvez, o grande herói de Basílio, provavelmente, foi um europeu em especial, Marquês de Pombal, cujo heroísmo lhe é dado por reconstruir Portugal após o terremoto de 1755, ir contra as missões religiosas ganhando aliados como França e Espanha, dentre outras coisas, bem como por ganhar a simpatia do autor, que, ao que se sabe, estava cansado de ser perseguido devido sua antiga educação jesuíta.
por Rafael Swiech

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

o bom e velho espanhol


Que Guy Ritche que nada... Que Tim Burton que nada...
Pedro Almodóvar é o único que nao decepciona, e que mostra que o tempo só amadurece sua producao cinematográfica.
Assisti a seu útimo filme ontem, por isso o post. Estava com saudade mesmo das loucuras totalmente possíveis de seus filmes.


(Ok, A lei do Desejo é bem ruim)

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Tempo de Angústia

É erro supor que a dor moral só possa vir a ser causa de morte nas novelas românticas ou nos drama de paixão.
Mário de Andrade


A princípio, o conto é escrito em um curto espaço de tempo, do qual passado e futuro tem menos relevância. Tem poucos personagens e, basicamente, uma intriga – enquanto o romance tem o tempo mais dilatado e intrigas menores em torno de uma principal, o que, por consequência, tende a ter mais personagens, ou até mesmo a evolução deles.
A princípio.
Em Os Ratos, 1935, do modernista da segunda geração Dyonélio Machado, podemos observar um romance se comportando como conto. Ou seria um conto como romance?
Os Ratos é, no entanto uma novela, que, sempre a princípio, traria evolução, e diferentes intrigas ao passar o tempo, em uma linha contínua ou não de uma personagem.
Apesar de a obra tratar apenas de 24 horas da vida de Naziazeno Barbosa, a personagem principal, seu dia é tão intenso e cheio e atropelado e transtornado que não é apenas um dia. O dia, o tempo, na produção de Dyonélio, é um dos pontos mais marcantes, se não o mais, de seu escrito.
Naziazeno precisa, desde o amanhecer, quando recebe o ultimato do leiteiro após atrasos consecutivos, pagar o leite para não ter o bem diário cortado. Sua mulher lamenta todos os cortes: a manteiga, sapato novo etc., mas leite é fundamental para o desenvolvimento do filho de quatro anos já tão abatido por doenças.
Ao botar o pé para fora de casa, o herói, vai atrás do dinheiro. Pedir para o patrão, que já o ajudara no passado? Conseguir com colega seu da repartição? Seu prazo é apenas de 24 horas, e a angústia dele faz desse tempo mais curto do que já era. Sempre contra o relógio, que hora faz sobrar tempo antes de chegar ao posto de trabalho, hora já estão passadas as horas para buscar uma solução. Procura o empréstimo sem sucesso, tenta receber o dinheiro devido por um terceiro a um amigo, é apenas enrolado. Fica sem comer. Consegue um dinheiro para almoçar, mas passou tanto tempo sem comer que pensa em apostar na sorte, investir aquele dinheiro no jogo. Não tem a dita sorte. Culpa a fome pela agonia que vive ou tormento que sofre durante todo o dia. Agora anti-herói, joga no azar, penhora, consegue o dinheiro, fica feliz momentaneamente, faz compras, paga – problemas resolvidos. Por hoje. Amanha há uma nova dívida.
Temos, assim, uma narrativa de episódios cronometrados e classificados na medida sufocante capitalista – o tempo-dinheiro – que se marca no passeio completo por todos os meios possíveis de transações financeiras imediatas [...], diz Eliane Zagury quanto à insana correria da personagem de Machado – comunista assumido, claramente criticando o drama urbano de uma época. Talvez por isso, Moisés Velinho (1944) afirmasse que o autor sentiu, de alguma forma, um estranho prazer ao escrever o senso trágico da narrativa.
Naziazeno é um sujeito singular projetado numa sociedade de homens, de ratos – os mesmos que roem o dinheiro, bebem o leite, roem suas oportunidades. Suas 24 horas são um dia projetado numa vida, numa época, numa era – de homens, ratos e homens-rato.


por Rafael Swiech

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Referências:
Machado, Dyonélio – Os Ratos : 1935
Velhinho, Moisés – Coleção Autores Brasileiros : 1944
Zagury, Eliane – A novela Clássica do Modernismo Brasileiro : 1971

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

O romântico romance do romancista Alencar

O romance urbano Lucíola, de José de Alencar, tem como palavras-chave o moralismo, a hipocrisia e o conservadorismo, o que por certo, leva as personagens aos vários conflitos de consciência presentes na obra.
Tão é verdade que o seu romance retratava a sociedade falso-moralista do início da segunda metade do séc. XIX que, apesar do desdém da crítica, por justamente apresentar uma prostituta no papel romântico principal, Lucíola conquistou seu público, e não somente fez caminho como ganhou popularidade, como bem citou o próprio Alencar em sua obra auto-bibliográfica Como e porque sou Romancista. Pois ora, a mesma sociedade que levara o autor a editar seu trabalho em sigilo e por conta própria, agora o devorava por, talvez, de alguma forma se identificar com o que lia. Hipocrisia.
A exaltação ao amor, muito provavelmente a primeira característica que nos vem à cabeça quando pensando no romantismo, está bastante evidenciada, do começo ao fim de Lucíola, seja no ideal sublime, com Lucia e Paulo juntos, derrubando, ou meramente ignorando, preconceitos sociais,

Ela [Lucia] não estava só: uma multidão de adoradores invadira a porta de seu camarote. Cortejei-a e passei, esperando a ocasião em que lhe pudesse falar.

ou de sacrifício, como no caso do orgulho e, antagonicamente, como em outras passagens, o cuidado para com o pensamento que pudesse ser criado na sociedade que os envolvia,

Lucia disse-me adeus; não consentiu que a acompanhasse, porque isso me podia comprometer.

bem como o heroísmo, presente em todo seu drama melancólico, no episódio em que Lucia conta sua história de vida, como se tornara prostituta, da doença que castigou sua família, ou do nome que então assumira da amiga que morria, pois em verdade, se chamava Maria da Glória, tal qual, num outro momento, o ato de, ao fim da obra, anunciar seu desejo no leito de morte,

- Tu me prometes, Paulo, casar com Ana [irmã de Lucia]!

uma vez que nunca se sentira pura o suficiente para amar livremente e casar-se, ou mesmo ter um filho com Paulo. O que não deixa de ser um sacrifício, tampouco dum sublime amor.
O conflito do bem e do mal não vem de uma personagem contra a outra. Está presente em ambas. Para Domício Proença, nota-se uma instabilidade emocional traduzida em atitudes antitéticas ou paradoxais: alegria e tristeza, entusiasmo e depressão no romance. Por vezes Lucia é doce e pura, feito um anjo, por vezes, este anjo é rubro e demoníaco, Lúcifer, que seduz cegamente os homens ao seu redor. Ora, e então a culpa não é do homem, ou especificadamente de Paulo, por deixa-se seduzir; também bastante instável, ora controlador, ora compreensivo, por exemplo.
O sentimentalismo trágico, e para alguns, exagerado, do fim de Lucíola, com sua morte, grávida, afirmando que de túmulo serviria para o filho, e tendo a promessa de Paulo em ser um pai para Ana, sua irmã, demonstra que o amor vence, prevalece, e, que apesar da sociedade, ou mesma da conduta dos personagens, a vitória é do amor com sua força regeneradora.
Seja como for, o romance é bastante intenso e maior do que sua possível crítica, bem lembrando que Alencar também fora um homem politicamente engajado, Deputado, ao publicar Lucíola, é a sua forma de escrever e construir, como na cena em que Lucia mergulha seu dedo ferido no licor e Paulo bebe a escarlate bebida com o sangue da amada:

- Se o bebesse todo!... balbuciou.
- Tu morrerias, Lúcia! Respondi sorrindo.
- Eu... viveria; e o resto seria pasto dos vermes, como for pasto dos homens.


Por Rafael Swiech
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Referências:
Lucíola, Como e porque sou Romancista – José de Alencar
Vida e Obra – Carlos Faraco
Por trás das Letras - Análise da equipe da Editora O LUTADOR – 1977 (disp. Em 27/10/10 em http://www.olutador.org.br)