sexta-feira, 12 de novembro de 2010

O romântico romance do romancista Alencar

O romance urbano Lucíola, de José de Alencar, tem como palavras-chave o moralismo, a hipocrisia e o conservadorismo, o que por certo, leva as personagens aos vários conflitos de consciência presentes na obra.
Tão é verdade que o seu romance retratava a sociedade falso-moralista do início da segunda metade do séc. XIX que, apesar do desdém da crítica, por justamente apresentar uma prostituta no papel romântico principal, Lucíola conquistou seu público, e não somente fez caminho como ganhou popularidade, como bem citou o próprio Alencar em sua obra auto-bibliográfica Como e porque sou Romancista. Pois ora, a mesma sociedade que levara o autor a editar seu trabalho em sigilo e por conta própria, agora o devorava por, talvez, de alguma forma se identificar com o que lia. Hipocrisia.
A exaltação ao amor, muito provavelmente a primeira característica que nos vem à cabeça quando pensando no romantismo, está bastante evidenciada, do começo ao fim de Lucíola, seja no ideal sublime, com Lucia e Paulo juntos, derrubando, ou meramente ignorando, preconceitos sociais,

Ela [Lucia] não estava só: uma multidão de adoradores invadira a porta de seu camarote. Cortejei-a e passei, esperando a ocasião em que lhe pudesse falar.

ou de sacrifício, como no caso do orgulho e, antagonicamente, como em outras passagens, o cuidado para com o pensamento que pudesse ser criado na sociedade que os envolvia,

Lucia disse-me adeus; não consentiu que a acompanhasse, porque isso me podia comprometer.

bem como o heroísmo, presente em todo seu drama melancólico, no episódio em que Lucia conta sua história de vida, como se tornara prostituta, da doença que castigou sua família, ou do nome que então assumira da amiga que morria, pois em verdade, se chamava Maria da Glória, tal qual, num outro momento, o ato de, ao fim da obra, anunciar seu desejo no leito de morte,

- Tu me prometes, Paulo, casar com Ana [irmã de Lucia]!

uma vez que nunca se sentira pura o suficiente para amar livremente e casar-se, ou mesmo ter um filho com Paulo. O que não deixa de ser um sacrifício, tampouco dum sublime amor.
O conflito do bem e do mal não vem de uma personagem contra a outra. Está presente em ambas. Para Domício Proença, nota-se uma instabilidade emocional traduzida em atitudes antitéticas ou paradoxais: alegria e tristeza, entusiasmo e depressão no romance. Por vezes Lucia é doce e pura, feito um anjo, por vezes, este anjo é rubro e demoníaco, Lúcifer, que seduz cegamente os homens ao seu redor. Ora, e então a culpa não é do homem, ou especificadamente de Paulo, por deixa-se seduzir; também bastante instável, ora controlador, ora compreensivo, por exemplo.
O sentimentalismo trágico, e para alguns, exagerado, do fim de Lucíola, com sua morte, grávida, afirmando que de túmulo serviria para o filho, e tendo a promessa de Paulo em ser um pai para Ana, sua irmã, demonstra que o amor vence, prevalece, e, que apesar da sociedade, ou mesma da conduta dos personagens, a vitória é do amor com sua força regeneradora.
Seja como for, o romance é bastante intenso e maior do que sua possível crítica, bem lembrando que Alencar também fora um homem politicamente engajado, Deputado, ao publicar Lucíola, é a sua forma de escrever e construir, como na cena em que Lucia mergulha seu dedo ferido no licor e Paulo bebe a escarlate bebida com o sangue da amada:

- Se o bebesse todo!... balbuciou.
- Tu morrerias, Lúcia! Respondi sorrindo.
- Eu... viveria; e o resto seria pasto dos vermes, como for pasto dos homens.


Por Rafael Swiech
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Referências:
Lucíola, Como e porque sou Romancista – José de Alencar
Vida e Obra – Carlos Faraco
Por trás das Letras - Análise da equipe da Editora O LUTADOR – 1977 (disp. Em 27/10/10 em http://www.olutador.org.br)

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