segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Tempo de Angústia

É erro supor que a dor moral só possa vir a ser causa de morte nas novelas românticas ou nos drama de paixão.
Mário de Andrade


A princípio, o conto é escrito em um curto espaço de tempo, do qual passado e futuro tem menos relevância. Tem poucos personagens e, basicamente, uma intriga – enquanto o romance tem o tempo mais dilatado e intrigas menores em torno de uma principal, o que, por consequência, tende a ter mais personagens, ou até mesmo a evolução deles.
A princípio.
Em Os Ratos, 1935, do modernista da segunda geração Dyonélio Machado, podemos observar um romance se comportando como conto. Ou seria um conto como romance?
Os Ratos é, no entanto uma novela, que, sempre a princípio, traria evolução, e diferentes intrigas ao passar o tempo, em uma linha contínua ou não de uma personagem.
Apesar de a obra tratar apenas de 24 horas da vida de Naziazeno Barbosa, a personagem principal, seu dia é tão intenso e cheio e atropelado e transtornado que não é apenas um dia. O dia, o tempo, na produção de Dyonélio, é um dos pontos mais marcantes, se não o mais, de seu escrito.
Naziazeno precisa, desde o amanhecer, quando recebe o ultimato do leiteiro após atrasos consecutivos, pagar o leite para não ter o bem diário cortado. Sua mulher lamenta todos os cortes: a manteiga, sapato novo etc., mas leite é fundamental para o desenvolvimento do filho de quatro anos já tão abatido por doenças.
Ao botar o pé para fora de casa, o herói, vai atrás do dinheiro. Pedir para o patrão, que já o ajudara no passado? Conseguir com colega seu da repartição? Seu prazo é apenas de 24 horas, e a angústia dele faz desse tempo mais curto do que já era. Sempre contra o relógio, que hora faz sobrar tempo antes de chegar ao posto de trabalho, hora já estão passadas as horas para buscar uma solução. Procura o empréstimo sem sucesso, tenta receber o dinheiro devido por um terceiro a um amigo, é apenas enrolado. Fica sem comer. Consegue um dinheiro para almoçar, mas passou tanto tempo sem comer que pensa em apostar na sorte, investir aquele dinheiro no jogo. Não tem a dita sorte. Culpa a fome pela agonia que vive ou tormento que sofre durante todo o dia. Agora anti-herói, joga no azar, penhora, consegue o dinheiro, fica feliz momentaneamente, faz compras, paga – problemas resolvidos. Por hoje. Amanha há uma nova dívida.
Temos, assim, uma narrativa de episódios cronometrados e classificados na medida sufocante capitalista – o tempo-dinheiro – que se marca no passeio completo por todos os meios possíveis de transações financeiras imediatas [...], diz Eliane Zagury quanto à insana correria da personagem de Machado – comunista assumido, claramente criticando o drama urbano de uma época. Talvez por isso, Moisés Velinho (1944) afirmasse que o autor sentiu, de alguma forma, um estranho prazer ao escrever o senso trágico da narrativa.
Naziazeno é um sujeito singular projetado numa sociedade de homens, de ratos – os mesmos que roem o dinheiro, bebem o leite, roem suas oportunidades. Suas 24 horas são um dia projetado numa vida, numa época, numa era – de homens, ratos e homens-rato.


por Rafael Swiech

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Referências:
Machado, Dyonélio – Os Ratos : 1935
Velhinho, Moisés – Coleção Autores Brasileiros : 1944
Zagury, Eliane – A novela Clássica do Modernismo Brasileiro : 1971

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